quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

VANITAS




Sob esta estrela
tudo não ultrapassa
o arder e as constelações
de uma vela
enfunada ao sabor
de alísios,
embalada pela tábua
de marés,
faces da lua,
dança dos signos,
sono de girassóis.
Enquanto não chega
o sopro da manhã
que lhe apague.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Álbum de uma cidade

III

Anoitecia sobre Igarassu.
O mangue penetrando-a.
Sob a ponte de ferro
perecem restos de semente.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

quarta-feira, 21 de março de 2012

Faixa De Gaza


Como pode ser
esta veia sem sutura?

Este campo de destroços
em hemorragia?

A ausência das harpas
ainda verga os galhos
do salgueiro.

Mas o sol, imunda fera,
lambe um ossuário
de crianças no deserto.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Voz do deserto

Certa vez vi o silêncio abraçar a palavra. Cena terrível, as duas feras dançando no tempo. Tentáculos de navalha e deserto enlaçando o verbo, e ele qual pedra impassível, resistindo. Não é nada demais admitir que o poema brota do deserto, da aridez e da refrega. O verso torna-se reflexo do corte e da lãmina. E prefiro assim, a voz do deserto penetra mais fundo: como o sol no pleno meio-dia ou o vento gelado da noite sem lua. Quero o poema que guarde a poesia como a bainha guarda a lâmina, e que os versos tenham o corte profundo e lento das melhores facas de pasmado, temperadas e sedentas.Quero a poesia perigosa e afiada, que provoca e agride, sugere e embaralha. Assim torna-se real o labirinto e a charada, o segredo cresce na madrugada enquanto o poeta se perde nas horas de seu desatino. Quero a sombra para me perder nas possibilidades, selva de sugestões e possíveis, também quero o tiro cruel deste sol nordestino sobre os olhos para ter a mente alerta na cegueira da lucidez e do suor. Quero entrar no útero secreto de minha oficina pegar a concha e em vez de ouvir a imensidão das águas, deixar o silêncio me ensinar, com seus tentáculos de navalha e deserto, a afiar minha faca só lâmina.

Poema II

Eis
transpondo um jardim
de lâmpadas.
só a face de sombra
transparece.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Os Espelhos da Retina


"São os teus olhos a luz de teu corpo"
Jesus Cristo

As pálpebras unidas. Formando a linha de carne, fronteira escura e silente. Sugerindo dentro das trevas uma nova fauna, e a selva emaranhando-se em carícias, revolta, crescendo no vazio. É dentro desta muralha, onde a carne torna-se pedra e gume, e os vidros em lâminas se destilam, num rio de cacos e fragmentos, correnteza e queda, além do intransponível, onde as horas tornam-se farelos ao vento, restos do vômito de cronos, liberdade perecendo. O poeta aventura-se por tais veredas, em sua loucura de sóis e pássaros, abrindo portas nos corredores do silêncio e deparando-se com mais portas, e câmaras e corredores, até se aperceber do labirinto e seus dentes de segredo. Enquanto fechados, e não imersos no sono, os olhos despertos no escuro visitam as paragens onde nunca foram, onde não estão, nem conhecem, mas de onde nunca saíram. Os olhos fechados, nesta teia de cílios, neste esmagar de nervos, no rasgar de peles e pêlos, soltam-se das órbitas, viajam em seu girar, como balões de sangue e lágrima. Único espelho a funcionar no completo vazio, na própria ausência da superfície polida ou gasta, a retina é aquilo que devora as coisas em suas fronteiras dentro dos instantes. Dar a ver e ver-se. Diante da imagem o poeta e seu espanto. Não lhe serviria saber o que é poesia, não teria tempo de preparar seu cérebro azul para receber iluminação tão terrível, sem sangrar por todos o poros que o corpo abrisse. Há o medo dessa morte e castigo, medo de descobrir esta única verdade absoluta. Mas ao mesmo tempo há o que impele o corpo dentro das manhãs solares, o que impele as mãos sobre a superfície branca, o que impele os ouvidos dentro das paredes do silêncio, o que abre os espelhos da retina sobre a quadratura circular do mundo e ensina o segredo indizível e sereno antes de desferir o golpe certeiro entre os dois lumes em nossos rostos.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Liturgia do Vazio

Olhar as coisas em suas indefinições, dentro das névoas e cortinas, enigmas, labirintos. Buscar o mistério das coisas. O poeta em sua devoção pela procura não deve temer o perder-se, muito menos as trevas, nossa essência barroca, ou seja lá o que for, isso que nos tensiona sobre a fronteira entre a luz e a treva. Luz que revela, limpa, solar e exata, das oficina nas manhãs, dentro das alvas, luz que desperta e também cega. Trevas que sugerem, férteis, oníricas e inexatas, tentações de imaginação. O jogo eterno que coloca poeta e poesia no centro. Daí a angústia de criar tendo sobre a cabeças as espadas de dois mundos, o temor de algo mais profundo e terrível. Saltar no vazio, praticar o suicídio diário é o que faz o poeta. Ao acreditar na poesia. Mesmo sem saber sua definição. Se poeta é o que faz poesia o que é fazer poesia? será que quem lê não mergulha no suicídio cotidiano da busca também? não existe fim no poético, ele sempre excede, expande e condensa. Num jogo de opostos que o pereniza e sustenta. Quem lê precisa ser mais poeta que quem escreve (quem disse foi Leminsk) e eu acredito. Acredito na poesia das coisas. Na poesia como o mistério de todas as coisas assim como todas as coisas tem seu mistério (quem me ensinou isso foi Lorca). A poesia penetra-nos a profundeza e revela o quanto de mistério medra em nosso corpo e alma. Não existe religião no poético, mais há a liturgia do vazio, o culto solitário da forma, o cântico dos olhos em fuga, esquadrinhando o mundo, perscrutando as distâncias dentro das horas e querendo sorver o mundo, e querendo deixar-se devorar. A dor do vazio atrai, num paradoxo incontornável. E prosseguimos até a borda do nada. Nos resta perder o medo... e saltar.

Kamikaze

I.
Provocar o vazio
e dar o salto.
Ir além da linha, dissipá-la
e negar o abismo sem sorvê-lo.
Ser apenas queda
sem escalas.
Deixar o corpo
aceso dentro da hora
e congelar os transeuntes,
os carros, as nuvens
na dança estática do agora.
Deixar-se no poema que inaugura
a tarde da cidade.
E fechar os olhos
lentamente
enquanto o sangue ainda arde.

II.
Olhar através do concreto.
O céu arranhado da cidade.
A hemorragia do ocaso
Ignorada no vôo.
E sentir-se exato
ao verter o enigma.
E não voltar atrás
antes da borda do vazio.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Poema I

Duas esfinges devorando-se
entre as paredes do silêncio.
palavras
coagulam
junto ao enigma.