Certa vez vi o silêncio abraçar a palavra. Cena terrível, as duas feras dançando no tempo. Tentáculos de navalha e deserto enlaçando o verbo, e ele qual pedra impassível, resistindo. Não é nada demais admitir que o poema brota do deserto, da aridez e da refrega. O verso torna-se reflexo do corte e da lãmina. E prefiro assim, a voz do deserto penetra mais fundo: como o sol no pleno meio-dia ou o vento gelado da noite sem lua. Quero o poema que guarde a poesia como a bainha guarda a lâmina, e que os versos tenham o corte profundo e lento das melhores facas de pasmado, temperadas e sedentas.Quero a poesia perigosa e afiada, que provoca e agride, sugere e embaralha. Assim torna-se real o labirinto e a charada, o segredo cresce na madrugada enquanto o poeta se perde nas horas de seu desatino. Quero a sombra para me perder nas possibilidades, selva de sugestões e possíveis, também quero o tiro cruel deste sol nordestino sobre os olhos para ter a mente alerta na cegueira da lucidez e do suor. Quero entrar no útero secreto de minha oficina pegar a concha e em vez de ouvir a imensidão das águas, deixar o silêncio me ensinar, com seus tentáculos de navalha e deserto, a afiar minha faca só lâmina.
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