"São os teus olhos a luz de teu corpo"
Jesus Cristo
As pálpebras unidas. Formando a linha de carne, fronteira escura e silente. Sugerindo dentro das trevas uma nova fauna, e a selva emaranhando-se em carícias, revolta, crescendo no vazio. É dentro desta muralha, onde a carne torna-se pedra e gume, e os vidros em lâminas se destilam, num rio de cacos e fragmentos, correnteza e queda, além do intransponível, onde as horas tornam-se farelos ao vento, restos do vômito de cronos, liberdade perecendo. O poeta aventura-se por tais veredas, em sua loucura de sóis e pássaros, abrindo portas nos corredores do silêncio e deparando-se com mais portas, e câmaras e corredores, até se aperceber do labirinto e seus dentes de segredo. Enquanto fechados, e não imersos no sono, os olhos despertos no escuro visitam as paragens onde nunca foram, onde não estão, nem conhecem, mas de onde nunca saíram. Os olhos fechados, nesta teia de cílios, neste esmagar de nervos, no rasgar de peles e pêlos, soltam-se das órbitas, viajam em seu girar, como balões de sangue e lágrima. Único espelho a funcionar no completo vazio, na própria ausência da superfície polida ou gasta, a retina é aquilo que devora as coisas em suas fronteiras dentro dos instantes. Dar a ver e ver-se. Diante da imagem o poeta e seu espanto. Não lhe serviria saber o que é poesia, não teria tempo de preparar seu cérebro azul para receber iluminação tão terrível, sem sangrar por todos o poros que o corpo abrisse. Há o medo dessa morte e castigo, medo de descobrir esta única verdade absoluta. Mas ao mesmo tempo há o que impele o corpo dentro das manhãs solares, o que impele as mãos sobre a superfície branca, o que impele os ouvidos dentro das paredes do silêncio, o que abre os espelhos da retina sobre a quadratura circular do mundo e ensina o segredo indizível e sereno antes de desferir o golpe certeiro entre os dois lumes em nossos rostos.