Caríssimos e baratíssimos leitores
preparem-se para revelações sobre a intimidade deste que vos importuna. Um fato
absolutamente extraordinário me obriga a voltar por aqui. Claro que a maioria
dirá entre suspiros e muxoxos: “você acha qeu isso vai despertar meu interesse?”...
Bem senhores (ainda) tenho fé numa parcela mínima da humanidade que pode
desenvolver algum sentimento pio e cristão sobre assuntos que demandam
solidariedade e altruísmo. Quero abrir aqui meu coração para este
acontecimento, certamente tardio, (mesmo para meus parcos vinte e três anos de
sobrevivência) mas só agora passei por esse rito e isso merece algum barulho.
Foi numa noite linda, perfeita, luminosa. Fez
bem para minha cabeça atravessada por tantas inquietações (finalização de
livro, produção de um disco, o destino dos zines, os possíveis eventos) tudo isso
girava nas antessalas da mente. Eu precisava de alguma coisa pra descarregar
tanta energia e o ato foi perfeito. Prazer puro, mesmo com alguns instantes de
tensão, certo medo de dar errado, acontecer de me frustrar no fim. Mas num
lugar daqueles com toda aquela mágica abraçando os olhos, aquela atmosfera,
percebi logo que era impossível ser ruim. Assim se deu uma espécie de pequena
morte. Foi bom, nem podia ser muito diferente.
Confesso que adiei muito aquele instante, as
chances até que se apresentavam, mas essa síndrome romântica que sempre me
acomete em momentos críticos não me permitia que acontecesse em qualquer lugar.
Minha primeira vez no cinema tinha que ser no São Luís. Assim foi. Semana
passada eu, finalmente e finalmente, entrei numa sessão e assisti a um filme
todinho. Não me frustrei. Claro que os exageros de sangue derramado em Relatos
Selvagens (Damián Szifron) merecem seu mérito. Estão presentes ali o
humor que amarga qualquer sorriso, as situações ao mesmo tempo absurdas e deliciosas, levando de uma angústia quase insuportável à sensação de alívio, mesmo que
por desfechos ainda mais violentos: A “película” mereceu ser minha primeira
viagem. Sobre o São Luís o que eu poderia dizer... Prefiro ficar como naquela
noite: completamente mudo pela beleza de tudo que se via nas paredes, no teto,
nos vitrais, até no vermelho pulsante das cortinas que guardavam o telão.
Voltei a ser menino, o mesmo que sempre foi fascinado pelos filmes e que sempre
achou a telinha pequena demais pra imaginação que bulia por dentro e queria
mais som, mais imagem e mais calor. Contemplar
e principalmente dialogar com a obra de arte é um exercício próximo demais de
uma briga ou de uma transa: diálogo que pode ser agressivo, excitante ou os
dois – o último jeito sempre o melhor – a leitura do poema, a audição de uma
peça musical... Penetrações, toques, pancadas... Arte sem tirar o fôlego,
corpos sem perder o fôlego: como não?... Demorei vinte e três anos, seis meses
e vinte dias para finalmente enfrentar mais essa forma de obter orgasmos:
afinal esse prazer estranho que nos invade quando ficamos frente a frente com a
beleza – ou qualquer coisa que não se possa nomear bem – não parece tanto com
aquilo que nos faz suspender o ar, o sangue, e todos os movimentos do corpo?
Espero não ter frustrado muito os curiosos, e se você
chegou até aqui nessas linhas: não duvide, estou mesmo rindo de alguém que deve
ter entrado no texto com uma voracidade enorme... só me resta indicar o filme e
o cinema – principalmente o cinema – aos ilustres heróis que vieram seguindo o
rastro da curiosidade. Visitem aquela sala belíssima às margens do capibaribe:
é um ótimo lugar pra se ter uma primeira vez e tentar rir com os Relatos Selvagens.
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