sábado, 23 de maio de 2015

Minha primeira vez


Caríssimos e baratíssimos leitores preparem-se para revelações sobre a intimidade deste que vos importuna. Um fato absolutamente extraordinário me obriga a voltar por aqui. Claro que a maioria dirá entre suspiros e muxoxos: “você acha qeu isso vai despertar meu interesse?”... Bem senhores (ainda) tenho fé numa parcela mínima da humanidade que pode desenvolver algum sentimento pio e cristão sobre assuntos que demandam solidariedade e altruísmo. Quero abrir aqui meu coração para este acontecimento, certamente tardio, (mesmo para meus parcos vinte e três anos de sobrevivência) mas só agora passei por esse rito e isso merece algum barulho.
Foi numa noite linda, perfeita, luminosa. Fez bem para minha cabeça atravessada por tantas inquietações (finalização de livro, produção de um disco, o destino dos zines, os possíveis eventos) tudo isso girava nas antessalas da mente. Eu precisava de alguma coisa pra descarregar tanta energia e o ato foi perfeito. Prazer puro, mesmo com alguns instantes de tensão, certo medo de dar errado, acontecer de me frustrar no fim. Mas num lugar daqueles com toda aquela mágica abraçando os olhos, aquela atmosfera, percebi logo que era impossível ser ruim. Assim se deu uma espécie de pequena morte. Foi bom, nem podia ser muito diferente.
Confesso que adiei muito aquele instante, as chances até que se apresentavam, mas essa síndrome romântica que sempre me acomete em momentos críticos não me permitia que acontecesse em qualquer lugar. Minha primeira vez no cinema tinha que ser no São Luís. Assim foi. Semana passada eu, finalmente e finalmente, entrei numa sessão e assisti a um filme todinho. Não me frustrei. Claro que os exageros de sangue derramado em Relatos Selvagens (Damián Szifron) merecem seu mérito. Estão presentes ali o humor que amarga qualquer sorriso, as situações ao mesmo tempo absurdas e deliciosas, levando de uma angústia quase insuportável à sensação de alívio, mesmo que por desfechos ainda mais violentos: A “película” mereceu ser minha primeira viagem. Sobre o São Luís o que eu poderia dizer... Prefiro ficar como naquela noite: completamente mudo pela beleza de tudo que se via nas paredes, no teto, nos vitrais, até no vermelho pulsante das cortinas que guardavam o telão. Voltei a ser menino, o mesmo que sempre foi fascinado pelos filmes e que sempre achou a telinha pequena demais pra imaginação que bulia por dentro e queria mais som, mais imagem e mais calor.  Contemplar e principalmente dialogar com a obra de arte é um exercício próximo demais de uma briga ou de uma transa: diálogo que pode ser agressivo, excitante ou os dois – o último jeito sempre o melhor – a leitura do poema, a audição de uma peça musical... Penetrações, toques, pancadas... Arte sem tirar o fôlego, corpos sem perder o fôlego: como não?... Demorei vinte e três anos, seis meses e vinte dias para finalmente enfrentar mais essa forma de obter orgasmos: afinal esse prazer estranho que nos invade quando ficamos frente a frente com a beleza – ou qualquer coisa que não se possa nomear bem – não parece tanto com aquilo que nos faz suspender o ar, o sangue, e todos os movimentos do corpo?
Espero não ter frustrado muito os curiosos, e se você chegou até aqui nessas linhas: não duvide, estou mesmo rindo de alguém que deve ter entrado no texto com uma voracidade enorme... só me resta indicar o filme e o cinema – principalmente o cinema – aos ilustres heróis que vieram seguindo o rastro da curiosidade. Visitem aquela sala belíssima às margens do capibaribe: é um ótimo lugar pra se ter uma primeira vez e tentar rir com os Relatos Selvagens.  

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