quinta-feira, 10 de abril de 2014

Derivando

O ato perigoso de pensar. Mais do que nunca a sensação insistente de estar solto em águas desconhecidas. Estar no caroço do tempo, sala secreta no recôndito do agora, nesta cela, jaula, armadilha e perceber-se presa fácil da dispersão. Viver e pensar em fragmento. Ideias não sofrem mais o amadurecimento silencioso e solitário preferimos espargi-las antes mesmo do estado claro de semente, semear o mecanismo inconcluso, as maquinarias desconjuntadas, as interligações rotas, prenhes de precariedade e veneno. O poema em tempo real, ao vivo e em carnes, texto vitimado pela exigência absurda de nossos velocímetros virtuais. Quem ousar um andamento largo em tempos de prestíssimo neurótico estará fadado ao exílio, desterrado e ingrato para com os generosos tempos da democratização da informação. Pois eu sorrio no focinho do demo da informação quando percebo o quanto pode ser bom um exílio. O bônus miraculoso do silêncio já supera em milhares de patamares o acúmulo desumano de "capital cultural" (perdoem aqui a tentativa de ironia, e desde já reconheço minha incompetência nos territórios do humor) que é ofertado por aqui: vejam o bem que a rede social promove ao fazer o indivíduo sustentar dezenas de conversas paralelas sobre temas completamente distintos e até oposto por meio de nossos famigerados espaços de diálogo virtual, a figura deve desenvolver alguma habilidade sobrenatural, só pode ser essa a explicação. Não estou escarrando no prato raso, não me acusem tão rápido de ingratidão. Mais não dá pra ignorar o movimento das ondas, a consequente dança dos barcos, a trajetória que o corpo descreve montado sobre as águas e somos muito mais boias, para tal monotonia (presente na raiz mais profunda da palavra) existindo, que embarcações, sugestão de movimento planejado, de controle dos ventos e remos.Somos boias inúteis, sem o peso que as lastreia e dá função prática de sinalização. Cada vez mais nos afastamos da pedra e só nos resta o sobe e desce das ondas, a soltura no vazio líquido. É impossível, mesmo fechando os olhos e protegendo-os com vendas, e tingindo essas vendas com o ranço do escuro, não ver nitidamente o estado tragicômico das coisas: é angústia que começa se espraiando pelo ato perigoso de pensar, desemboca no suicida ato de criar para destravar as mandíbulas de um oceano quando anula o limite dessas águas entre os homens e no mesmo molho (pensar em geleia já seria crueldade de minha parte) fervilham as promessas na arte, no pensamento político, na filosofia... eu mesmo já vou me afogando sorrateiramente nessas mesmas linhas, não nego a autoflagelação embora ainda tente me segurar desesperadamente em alguma pedra que permaneça pesando as toneladas de sua impassibilidade na fundura dessas águas de extravio. Só me permito desejar saúde aos náufragos e salve-se quem souber... 

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