Também me espantei com essa declaração
quando pus os pés hoje no terminal da macaxeira. Uma senhora muito bem vestida,
com postura e impostação vocal dignas de um arauto da família
real vomitava aos quatro cantos mal projetados daquele lugar de
suplício a mais nova e absurda profecia de terminal. Para os bem-aventurados
que não precisam passar todos os dias pelos purgatórios que eufemicamente
chamamos de integrações fica difícil explicar a tortura que é além de esmagado,
ofuscado, violentado pelos outros, ser alvo das pregações messiânicas desses
seres sacrossantos que chamo carinhosamente de profetas de terminal tão
solícitos em nos apontar os caminhos mais largos para as chamas e o ranger de
dentes enquanto esperamos nossos cubículos sobre rodas. Tenho ainda mais
dificuldade de explicar o esforço imenso que fiz para não cair numa crise de
riso irreversível quando tomei conhecimento de uma notícia tão importante para nossa
identidade nacional. Depois do primeiro choque tentei construir linhas de
raciocínio que me apontassem a sanidade mental da digníssima senhora
(eu sinceramente simpatizei com aquele rosto que parecia conter alguma
bondade) ela poderia estar usando o discurso figurativo para anunciar o reinado
de Cristo (o que não deixaria de me assustar por que não consigo imaginar a
figura de Cristo junto ao que a maioria das monarquias representou ao
longo dos séculos) ocorre que ela resolve explicar mais e dizer que teremos um
rei assim como Dom Pedro I o que levou definitivamente minhas esperanças de que
tudo não passasse de um lance de oratória para atrair a atenção do povo. Também
não posso deixar de observar que até aqui temos uma profetisa diferenciada, nada
de versículos soltos falando de maldições e castigos, nada de avisos sobre dias
e horários do julgamento final, nada de acusações cuspidas nos rostos de quem
se arrasta nas filas, parecia realmente se tratar de uma enviada especial de
alguma corte obscura talvez escondida em algum bairro nobre de
nossas metrópoles apenas esperando o momento mais dramático para dar seu
golpe de estado restaurando democraticamente pela vontade do rei um regime que
fora soterrado por um século de avanços ( e muitos retrocessos, claro) e uma humanidade que mal engoliu e hoje talvez só tolere por puro folclore as monarquias
de vitrine que ainda resistem em alguns locais do mundo os quais prefiro não
referir por uma questão de respeito a quem simpatiza com velhinhas bonachonas
usando coroas e cetros de ouro...
Por fim o momento
mais aterrador foi quando ela revelou que fora enviada por Deus para anunciar a
nova (que está muito longe de ser boa e deixo bem claro o misto de tristeza e
revolta diante de desvios tragicômicos como o dessa iluminada pela ignorância).
A partir daí percebi a inutilidade de perguntar se teríamos uma
monarquia parlamentarista. Com certeza uma legitimação tão incontestável não
deixa margem para duvidar que nos salões do palácio do planalto se ouvirá por
muitas gerações o toc-toc de sapatos à la Luis XIV.